sexta-feira, 11 de outubro de 2013

CASO SILVIA CALABRESI LIMA, Goiânia/GO (2008) - 27ª edição


Dia 17 de março de 2008 – um anônimo ligou para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, de Goiânia, às 9h30min: “Fiquei sabendo que tem uma criança acorrentada no apartamento 401 do prédio Antônio Nascimento, no Setor Marista”.

Bairro de classe média alta, dois agentes – um homem e uma mulher – foram enviados ao local e, pouco depois das 10h, entraram no apartamento indicado, uma cobertura duplex, acompanhados do porteiro e de dois moradores como testemunhas... ninguém acreditava na informação.

Segundo os policiais, a porta do apartamento estava encostada e, ao entrar, avistaram de pronto a empregada Vanice Maria Novais, que disse não saber de nenhuma criança acorrentada. Mediante a insistência dos policiais, ela acabou cedendo: “A menina está lá em cima”.

Ferramentas de Silvia

No andar por onde entraram ficava a cozinha e uma sala de TV; os policiais subiram a escada para o andar de cima, onde há dois quartos, sala e lavanderia, cuja porta estava trancada... bateram, chamaram, ninguém respondeu. Nesse momento, surgiu Tiago, rapaz de 20 anos, filho dos donos da casa, que não morava lá, estava apenas de visita.

A empregada disse que a patroa tinha levado a chave da lavanderia; policiais pediram ao porteiro Miguel um pé-de-cabra para arrombar a porta... a empregada se assustou e disse à Tiago, se justificando: “Não tem jeito, tem de abrir”... foi buscar a chave e abriu a porta (já começou mentindo).

Ao ingressar, a policial Jussara disse não te notado nada estranho à sua frente... então, olhou pra o lado direito e viu a menina!

Vídeo do momento do resgate

A menina Lucélia, 12 anos, tinha os braços acorrentados à escada de ferro que sobe para a caixa d'água; os braços erguidos, os pés mal tocavam o chão. Ela calçava luvas de borracha, amarradas por um cordão – a polícia acha que era para evitar marcas de correntes. Nos pés, tênis e meias cobertos por sacos plásticos.

O agente Jaime Jardim olhou para a boca da menina e entendeu por que ela não respondera quando bateram à porta: a boca estava tampada por esparadrapo; dentro, um chumaço feito com um pedaço de fralda velha (na casa, morava um bebê, filho de Vanice). Os dois agentes libertaram a menina, que disse que seus braços doíam muito e perguntou: “Vocês vão me levar para meu pai?”.

Silvia e a vítima

Pouco depois, surgiu Silvia Calabrese Lima, 42 anos, dona da casa e de uma loja de cosméticos... saiu de lá presa; fora avisada pelo marido, o engenheiro Marco Antônio Calabrese Lima, com quem os policiais conseguiram falar ao chegar ao apartamento.

Vanice também foi presa no momento e entregou aos policiais um caderno onde anotava os fatos do dia, por ordem de Silvia; na segunda, havia apenas 2 anotações: “5h41 – chamei a Lucélia; 5h45 – amarrei a luva”. Como a menina foi achada às 10h30, conclui-se que se um martírio durou mais de 5 horas.

Segundo depoimento de Lucélia, algumas vezes era acorrentada por Sílvia, outras por Vanice – que admite o fato e diz ter agido por medo da patroa. Preferia ser acorrentada por Vanice porque ela não colocava pimenta no pano enfiado na sua boca; já Silvia tinha fixação por pimenta: passava nos olhos, boca e nariz de suas vítimas – outras 4 jovens se apresentaram dizendo ter sofrido nas mãos dela.

Lucélia apresentava mutilações na língua – contou que Sílvia a apertava com alicate... em dada ocasião, ficou girando com ela com a língua presa pelo alicate. A menina tinha marcas de ferro quente em cada uma das nádegas e na coxa direita; as unhas das mãos pretas – a torturadora prendia seus dedos na porta. Os dedos dos pés estavam roxos e machucados, resultado de golpes com martelos de cozinha. Num desses golpes, contra a boca, quebrou um dos dentes da frente. Também fora obrigada a tocar certa parte da máquina de lavar roupas para levar choques.


Após fazer 12 anos, em novembro de 2007, a tortura se intensificou: passava dias amordaçada, pois, Silvia dizia que a voz da menina a incomodava. Tomava banho frio, dormia no chão da lavanderia, passava muito tempo sem comer ou tinha que se alimentar com a ração do cachorro ou ingerir fezes de animais. Também era submetida a afogamentos no tanque: “Ela amarrava minhas mãos e meus pés, depois me mandava abaixar e sentava na minha cabeça”.

Uma das torturas mais graves ocorreu num sábado... a menina ficou o dia todo acorrentada na lavanderia, exposta à chuva e ao sol. Segundo ela, seus braços começaram a doer insuportavelmente, então, começou a chorar, o que incomodou Silvia que disse que a “ensinaria a não incomodar mais”. Pegou cinco sacos de plástico e enfiou um a um em sua cabeça, enquanto Vanice segurava suas pernas. Lucélia começou a se debater e acabou desmaiando, o que assustou as duas torturadoras. Nesta noite, Silvia deixou a menina dormir em cima de uma coberta.

Lucélia

Segundo Vanice, todas as suas ações foram a mando de Silvia e participou de todas as torturas; além disso, tinha medo dela, não queria perder o emprego e nem que ela se voltasse contra seu bebê. As torturas se agravavam em progressão geométrica, o que poderia culminar com a morte da menina. De acordo com a delegada, Silvia é uma pessoa cruel, tinha prazer e se divertia fazendo isso... sempre tratou bem os 3 filhos que tem com o engenheiro – só o mais novo morava na casa na época (tinha 3 anos).

O marido de Silvia alegou que viajava muito e não sabia das torturas, o que foi confirmado pela menina que disse que as “maldades” eram feitas quando ele não estava, mas contou que num dia de fevereiro, Marco entrou em casa e a surpreendeu amordaçada, com sacos plásticos nos pés, limpando um banheiro. Ele a livrou da mordaça e a menina lhe contou sobre a tortura com alicate na língua e outros padecimentos. Marco se dispôs a levar Lucélia para a casa de uma tia e chegaram a ir para o carro, mas Silvia prometeu que não faria mais nada errado e, então, Lucélia ficou.

Declarações da menina
após o resgate

As outras meninas que disseram ter sido torturadas por Silvia tinham o mesmo perfil: nascidas em famílias pobres, a conheceram por meio de pessoas que trabalhavam para ela. No caso de Lucélia, era sobrinha de uma ex-empregada de Silvia. Outra menina era filha de uma manicure de um salão de beleza que Silvia frequentava. Ambas dizem que, no começo, Silvia mostrava-se simpática e as convidava para ir à sua casa e visitar o sítio da família. Depois de ganhar a confiança das crianças, pedia a seus pais que as deixassem morar com ela, alegando que tinha 3 filhos homens e que sentia falta de uma menina.

Para Lucélia, prometeu matrícula na Escola Militar de Goiânia (onde a menina estudou por apenas 6 meses)... ela sonha em ser policial.


DADOS PROCESSUAIS

No Inquérito Policial, a delegado indiciou seis pessoas, incluindo parentes de Silvia. Em abril, a menina deu uma declaração em entrevista dizendo perdoar a “tia Silvia” e que, quando crescer, quer ser advogada.
Silvia respondeu à uma ação reclamatória trabalhista e por redução à condição análoga à de escravo referente à menina. Por determinação da Décima Vara do Trabalho, de Goiás, uma medida cautelar inominada tornou indisponíveis os imóveis, contas bancárias e veículos em nome de Silvia, do marido e do filho. Além das verbas trabalhistas no valor de R$ 1milhão, havia outros dois processos: um pedido de indenização por danos morais e materiais tem favor da menor; e outro com o mesmo valor, a ser revertido para o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT).

Em agosto de 2008, o STJ negou exame de insanidade mental para Silvia, alegando que apenas a declaração desta sobre ter sofrido abusos na infância não era o suficiente para a instauração de incidente de insanidade mental (https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=200801127600&data=6/10/2008).

Silvia foi denunciada como incursa, em tese, nas sanções dos artigos 136, §§2º e 3º, 148, §2º, ambos do Código Penal, e no artigo 1º, inciso II, §3º, primeira parte e §4º, inciso II da Lei n. 9.455/97, por ter supostamente submetido uma menor de idade às sessões de tortura física, maus-tratos e cárcere privado – dados constantes no HC n. 107.102/GO, Quinta Turma do STJ.

Em 30 de junho de 2008, Silvia foi condenada à 14 anos, 11 meses e 5 dias de prisão, em regime fechado; Vanice foi condenada à 7 anos e 11 dias de detenção, também em regime fechado – segundo o juiz da 7ª Vara Criminal, José Carlos Duarte, a princípio, Vanice cumpria ordens mas, depois, passou a agredir a menina longe dos olhos de Silvia, por conta própria. Marco Antônio, culpado por omissão, recebeu pena de 1 ano e 8 meses de reclusão mas, por sua primariedade e bons antecedentes, foi convertida em prestação de serviços à comunidade. O filho de Silvia, também acusado por omissão, foi absolvido.

Em 19 de abril de 2011, Silvia foi condenada à 11 anos e seis meses de reclusão em regime fechado, por manter em condição análoga à escravidão as menores Lucélia Rodrigues da Silva (10 anos) e Lorena Coelho Reis (15 anos). As meninas eram obrigadas a realizar serviços domésticos exaustivos sem receber por isso, além de serem constantemente agredidas e impedidas de manter contato com a família.

Segundo a Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República em Goiás, a sentença reconheceu que a motivação e as circunstâncias do crime são desfavoráveis, pois Sílvia é “uma pessoa de boa formação cultural, possuía condição financeira considerável, moradia de alto nível, e, nessas condições, poderia contratar vários empregados domésticos.”

O marido de Sílvia, Marco Antônio Calabresi Lima, foi condenado a três anos e seis meses de reclusão, porque, embora ciente da situação de trabalho exaustivo e humilhante a que era submetida a menor Lucélia, se omitiu em evitar que a menor continuasse trabalhando em condição aviltante em sua residência. O juiz substituiu a pena privativa de liberdade imposta a Marco Antônio por prestação de serviço e pagamento de 30 salários mínimos para o Centro de Orientação e Reabilitação em Encefalopata (Corae). Segundo informações, cumpriu a pena e deixou o Brasil.

A empregada de Sílvia Calabresi à época, Vanice Maria Novais, foi ABSOLVIDA, pois, a sentença reconheceu que a empregada estava sujeita à dominação de Silvia. Segundo a sentença, Vanice não recebia salário e não teve sequer respeitado o período de repouso necessário após a gravidez e o parto.

De acordo com informações do sistema prisional, Silvia apresenta boa conduta dentro do sistema carcerário, interna da Penitenciária Consuelo Nasser, em Aparecida de Goiânia. Nas horas de folga lê a Bíblia, procura se evangelizar e conversa com as demais detentas... segundo algumas, ela é “maravilhosa”.

Em dezembro de 2012, Silvia, com 46 anos, teve seu pedido de revisão criminal negado pela Desembargadora Lília Mônica de Castro Borges Escher – a defesa entende que Silvia foi condenada na Justiça Federal pelo mesmo caso em que foi condenada pela Justiça Estadual (http://www1.trt18.jus.br/ascom_clip/pdf/32051.pdf). É possível que receba o benefício de progressão de regime e seja solta em 2014.

Desde 2009, Lucélia vive com seu pai (que obteve a guarda da menina), separado de sua mãe biológica que, na época, perdeu a guarda.

Fonte: Coordenadoria Estadual da Mulher, Governo de Santa Catarina
           Veja.com – Estadão.com – Fococidadão.wordpress
           DM.com.br
           Procuradoria da República em Goiás
           Paulolopes.com


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